Ambiente
de trabalho + Prevenção =
- Assédio Moral
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Valdir Florindo[1]
*
“Um empregado humilhado não
consegue reagir” Freud,
1894 1. Considerações iniciais; 2. Código do Trabalho francês; 3.
Projeto de Lei no Brasil e o raio x da violência moral; 1. Um dos temas mais complexos e mais
importantes do Direito do Trabalho, hoje e sempre, e seguramente dos que têm
mais consequências na vida humana, é a inegável existência do assédio moral no
local de trabalho, campo absolutamente fértil para estes acontecimentos e que
vem desafiando os estudiosos no assunto. A preocupação do direito é a proteção
ao homem e seus valores mais fundamentais de vida, e que foi colocada no posto
mais elevado da ordem jurídica brasileira. Na verdade, nunca o componente
humano foi tão valorizado como nos dias atuais. Sabemos que o ambiente de
trabalho é o local onde as pessoas passam a maior parte de seu tempo e é
normalmente o local depositário de grande parte das aspirações, sonhos e
realizações, e é nesse ambiente que as pessoas buscam dias de maior fortuna e
segurança, para elas e suas famílias [2] transformarem-se em cidadãos produtivos e solidários.
Com esta preocupação inquestionável, diante do processo odioso de destruição
silenciosa que representa o assédio, o que se impõe, portanto, é lançar mãos de
todos os meios preventivos sugeridos pela experiência em todos os setores,
tendo como lócus o ambiente de trabalho. 2. Na Suécia, iniciou-se os estudos
sobre a violência moral nos locais de trabalho. Contudo, foi no começo de 1984
que um sério pesquisador alemão em psicologia do trabalho, Heinz Leymann,
depois de um ensaio científico contendo uma pesquisa feita pelo National Board of Occupational Safety and Health in
Stokolm, demonstra as
consequêncicas do mobbing no ambiente de trabalho. O termo mobbing
é sinônimo de
assédio moral em nosso país. Este termo originou-se da palavra mob, que há anos é empregada para designar
a máfia. Portanto, a palavra mobbing encerra, em si, a idéia de grupos de caráter “mafioso” que
exercem pressões ou ameaças sobre os outros trabalhadores em ambientes profissionais. Embora a dinâmica comportamental seja a mesma
tanto no mobbing quanto no bullying, convencionou-se utilizar este último
termo para definir o abuso de poder que ocorre em ambientes escolares. Na França, em 1998, o assunto
despertou a atenção da Dra. Marie-France Hirigoyen, psicóloga, psiquiatra e
psicoterapeuta de família, que com plena autoridade publicou um livro sob o
título Le harcèlement moral: la violence perverce au quotidien, ed. Syros. No Brasil, pela Editora Bertrand Prosseguindo nas pesquisas,
Marie-France Hirigoyen aprimorou o conceito de assédio moral e propôs a
seguinte definição: “ o
assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gesto,
palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou
sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma
pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.”[3] Este notável conceito, que
subscrevemos inteiramente, foi proposto pela citada autora perante os grupos de
trabalho no
poder legislativo francês em 2002. O primeiro conceito não incluía a
necessidade de repetição e sistematização da conduta abusiva. De fato, a França é o país
onde o assunto ganhou maior importância, tendo em vista o estudo dos
psicólogos. Instituiu de modo pioneiro uma lei em seu ordenamento jurídico na
busca de coibir o assédio moral. Na Suécia, por sua vez, onde tudo começou, a
norma editada pelo governo, contendo
medidas de prevenção contra o assédio no ambiente de trabalho, possui feições administrativas. Regendo a matéria tocante ao
assédio moral encontra-se o Capítulo IV da Lei 2002-73 de Modernização Social promulgada em 17 de janeiro de
2002, cujos artigos Referida lei francesa insere o
art. L 122-49 no Código do Trabalho estabelecendo a vedação do assédio moral pela
degradação deliberada das condições de trabalho do empregado. Vejamos: “L 122-49. Nenhum trabalhador deve se submeter
aos procedimentos repetidos de assédio moral que
tenham por finalidade ou por conseqüência uma
degradação das condições de trabalho suscetível de atingir seus direitos e a sua dignidade, de alterar sua saúde física ou mental
ou de comprometer seu futuro profissional". 3. No Brasil,
não há uma lei federal que discipline o assunto, em que pese a existência de 11
projetos no Congresso Nacional, imobilizados. Há um projeto de lei nº 5970/01
que altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, é dizer, artigos
483, letra “g” e parágrafo 3º e 484-A. Contudo, como já dito, encontra-se
paralisado no legislativo. Conveniente, mesmo assim, transcrevê-lo em parte,
onde se insere a pratica de coação moral (expressão utilizada
para denominar o assédio moral), art. 483, letra “g”; rescisão indireta e
pagamento das indenizações (art. 483, parágrafo 3º)
e particularidades na indenização se a rescisão do contrato foi motivada pela
prática de coação moral contra o trabalhador: “Art.483
................................................................ g) praticar o
empregador ou seus prepostos, contra ele, ação moral, através de atos ou
expressões que tenham por objetivo ou efeito atingir sua dignidade e/ou criar
condições de trabalho humilhantes ou degradantes, abusando da autoridade que
lhe conferem suas funções.” “§ 3º Nas hipóteses
das letras d, g e h, poderá o empregado pleitear a
rescisão de seu contrato e o pagamento das respectivas indenizações,
permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo. (NR)” “Art. 484-A. Se a rescisão do contrato de trabalho foi motivada pela prática de coação moral do empregador ou de seus prepostos contra o trabalhador, o juiz aumentará, pelo dobro, a indenização devida em caso de culpa exclusiva do empregador.” Esta coação moral que o projeto
pretende inserir no ordenamento jurídico laboral é relevante. Contudo, enquanto
isto o fenômeno se propaga em larga escala, colocando em risco a sanidade
física e mental dos trabalhadores, afetando, por conseguinte, o equilíbrio
social. Nessa altura, oportuno dizer
que esta violência moral desencadeada costumeiramente contra trabalhadores no
local de trabalho como o comportamento vexatório/persecutório sistemático por
parte da empresa ou de seus representantes, que implicam na degradação das
condições de trabalho, com a finalidade de forçar a cessação da relação de
trabalho deve ser visto com os olhos largos nesta quadra da história
constitucional de nosso país. Afirmo isso, pois a Constituição Federal, em seu
artigo 7º, I, assevera que é direito do trabalhador uma “relação de
trabalho protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa”,
prevendo até a estipulação legal de indenização compensatória, com essa
finalidade, dispositivo esse que parece-nos indicar que seria mais fácil mudar
todos os componentes do legislativo nacional do que conseguir a lei que o complemente.
Daí pertinente o porquê de Norberto Bobbio [4] ao advertir: “o problema grave de nosso tempo, com
relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de
protegê-los”. Francamente, nenhuma
despedida mais arbitrária e injusta do que aquela que força o trabalhador a
pedir, ele mesmo, a sua demissão, por lhe ter sido tornado insuportável o
ambiente de trabalho, pela perseguição sistemática e pela sua submissão a
comportamentos vexatórios, humilhantes e degradantes. Como se vê, o assédio moral se notabiliza
pela postura insistente e pela ação reiterada, por período duradouro, com
ataques repetidos, que submetem a vítima a situações de humilhação, de
rejeição, vexatórias, discriminatórias e constrangedoras com o objetivo de
desestabilizá-la emocional e psiquicamente, quase sempre com severos reflexos
na saúde física e mental. É preciso ter presente também
que no assédio moral no ambiente de trabalho não há a figura da culpa entre
assediador e assediado, há sim a figura do dolo. O agente assediador pratica o
ato de modo intencional e prolongado, constrange a vítima com o objetivo de
desestabilizá-la, estabelecendo assim um terror psicológico e contaminando todo
o ambiente de trabalho, e o faz de modo consciente e com o desejo de prejudicar
e obter o resultado. Não há espaço para a figura da culpa! A Professora Margarida
Barreto, médica especialista em trabalho, defendeu sua tese de Doutorado: “Assédio
Moral: a violência sutil”, 188 páginas, na Pontifícia Universidade Católica
– PUC – 2005, na área de psicologia social. Referido trabalho revela que a
humilhação do chefe a seus subordinados é mais prejudicial à saúde do que se
pode imaginar. São muitos os reflexos e significativos, tais como: a baixa
estima a problemas de saúde, como depressão, angústia, estresse, distúrbios de
sono, hipertensão, alteração da libido e pensamentos ou tentativas de suicídio.
A pesquisa bem conduzida pela professora Margarida Barreto consultou 42.000 trabalhadores
em todo o país. Estarrecedor o fato de que um quarto deles disse ter passado
por algum tipo de humilhação ou situação vexatória. Importante destacar abaixo,
uma parte desta pesquisa: RAIO X DA
VIOLÊNCIA MORAL QUANDO ACONTECE
27% Uma vez por semana 14% Uma vez por mês 9% Raramente QUEM PRATICA 6% Chefes e colegas 2,5% Colegas O
RESULTADO
82,5% Perda de ânimo e
memória 75% Sensação de enlouquecer 67,5% Baixa auto-estima 60% Depressão A pesquisa revela um ambiente
de trabalho preocupante. Não se está a dizer que os locais de trabalho são de
todo ruins, absolutamente! Em verdade, o que se apresenta com estudos
científicos, indica que o olhar deve estar fixo neste caminho inquebrantável de
proteger a vítima deste terror psicológico e o próprio ambiente de trabalho. A
pesquisa aponta, no universo de trabalhadores consultados, que o assédio moral
acontece com frequência praticado pelo chefe
contra subordinados, com resultado nefasto. Praticam também os colegas e até o
subordinado contra o chefe, questão esta rara, mas presente. Aliás, a própria
literatura brasileira nos dá resposta a esta questão. No romance O Primo
Basílio, o escritor consagrado Eça de Queiroz nos apresenta um quadro
inusitado desta espécie de assédio moral, onde a coitada da Luísa, esposa do
conselheiro Jorge foi martirizada moralmente até a morte pela sua criada
Juliana. Todas essas formas são típicas
do assédio moral no ambiente de trabalho. O assédio moral descendente
caracteriza-se pela ação de um superior hierárquico sobre um subordinado. O
assédio moral horizontal caracteriza-se pela ação entre pessoas do mesmo nível
hierárquico; e o assédio moral ascendente caracteriza-se pela ação de um
subordinado em relação ao seu superior hierárquico, é dizer, de baixo para
cima, como nos apresenta a literatura anteriormente citada. Registre-se, por
conseguinte, que este é o menos frequente dentre
os três, mas ocorre e é mais comumente encontrado nas empresas públicas em
decorrência da estabilidade no emprego. Cabe ainda considerar que não
há problema algum exigir metas dos trabalhadores. Qualquer instituição deve
vislumbrar alguma meta e tentar obtê-la. Ao próprio Poder Judiciário foram
estabelecidas metas pelo Conselho Nacional de Justiça, e não há problema algum.
As metas bem definidas e realizáveis, ainda que apresentem certo grau de dificuldade são saudáveis e trazem
resultados e ganhos para todos. Metas irreais, tornam-se desmotivadoras e
perigosas pelo seu efeito destrutor
sobre o meio ambiente e pelo seu desprezo pelos riscos impostos aos
trabalhadores. É inútil e indiferente para com os fatores humanos impor uma
meta que não será atingida. É como diz uma canção popular: “É inútil correr
atrás do mundo, ninguém jamais o alcançará.” A meta é um objetivo de
resultado da empresa, e a ela deve associar a consideração de outros fatores
humanos e morais, pois trabalho em excesso, exigência pela constante superação
de metas, pressão pela apresentação de resultados inatingíveis, tratamentos
autoritários das pessoas no desenvolvimento desta tarefa de resultados,
desrespeito ao papel que cada trabalhador desempenha na organização são algumas
formas comuns de provocar assédio moral, sempre sob o argumento de que o
trabalhador necessita ser pressionado para obter melhores resultados. Ora, só
não sofre pressão quem já morreu! Mas a pressão deve ser exercida dentro dos
limites normativos impostos de respeito aos valores fundamentais do ser humano,
componente fundamental nesta relação jurídica. Já se disse que a pressão
transforma carvão em diamante, mas também pode destruí-lo. A pressão legítima exercida
pelo empregador para que o empregado atinja metas, não caracteriza, por si só,
assédio moral. É preciso indagar se esta pressão é razoável, suportável e faz
parte do processo de crescimento do profissional ou se produz consequências
maléficas para quem é imposta com custo social que ultrapassa largamente o
benefício oferecido. A finalidade almejada pelo
direito é a ordem, a segurança, a harmonia, a paz social e a justiça. As normas
jurídicas, por sua vez, se pautam por ela, procurando meios que são para
realizá-la. Portando, diante da realidade apresentada, é necessário que o
legislador, ainda omisso, atue efetivamente no sentido profilático, pois
somente assim a norma atingirá sua finalidade. 4.
O caminho da prevenção no direito é exatamente a questão fundamental que
o legislador não pode transigir. A propósito, o Código de Proteção e Defesa do
Consumidor, lei nº 8.078/90, cumpriu fielmente seu papel. Instituto de pouca
vigência, pouco mais de duas décadas, comprovou de sobejo, com o testemunho da
sociedade, a sua irrefutável valia. Afirma a lei, em, seu artigo 6º que “São
direitos básicos do consumidor”, elencando ao longo de inúmeros incisos os
direitos que merecem proteção nesta relação consumerista, contudo, no inciso
VI, antes de atribuir a reparação de dano no seu sentido mais abrangente, em
face de quaisquer de suas violações, afirma que deve haver a efetiva prevenção.
Vale destacar esta passagem: “VI - a efetiva prevenção e reparação
de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;”. Nessa perspectiva, o próprio
legislador já sinalizou que o caminho é a prevenção, e mesmo assim o crescente
número de assédio moral no ambiente de trabalho desafia a todos. Não há lei de
âmbito nacional que discipline este assédio, mas há leis neste âmbito que já se
preocuparam com a questão. 5.
Nesse sentido, é de se notar que o legislador tem sido persistente no
caminho de alertar as empresas privadas que em nosso país não se pode permitir
o assédio moral. Coube à Lei 11.948, de
16 de Junho de 2009, que constitui fonte adicional de recurso para ampliação de
limites operacionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social –
BNDES, este recado direto. Referido banco, principal
braço financiador do Governo Federal é uma empresa
pública que oferece financiamentos de longo prazo para projetos de micro,
pequenas e médias empresas. Seu objetivo é fortalecer a estrutura de capital
das empresas privadas e, consequentemente, estimular o crescimento do país. Conforme se vê especialmente no
artigo 3º: “Fica o Poder Executivo
autorizado a incluir condicionamentos aos contratos de financiamentos
decorrentes da aplicação de recursos de que trata o art. 1o
relativos à criação de postos de trabalho ou a restrição à demissão imotivada
durante período convencionado, respeitados os elementos de natureza
econômica e financeira necessários à viabilidade dos projetos
financiados.” Mais adiante acrescenta: “Art. 4o Fica vedada a concessão ou
renovação de quaisquer empréstimos ou financiamentos pelo BNDES a empresas
da iniciativa privada cujos dirigentes sejam condenados por assédio moral ou
sexual, racismo, trabalho infantil, trabalho escravo ou crime contra o meio
ambiente”. As empresas cada vez mais exercem
importante papel nas relações econômicas e sociais, e há na verdade uma enorme
preocupação em saber o que a empresa faz em relação ao meio ambiente e às
questões sociais. Vejam só o impacto de uma condenação por assédio moral a um
dirigente de empresa de iniciativa privada. A empresa poderá precisar de
investimentos e uma condenação nessas condições poderá comprometer inteiramente
seu futuro. Seguramente, não é isso que se quer, absolutamente! Contudo, este
foi o alerta do legislador, de maneira a indicar a necessária existência de um
ambiente de trabalho onde as pessoas e seus direitos sejam respeitados. 6. Nesta ordem, assume particular
importância a existência da multireferida Lei 9.029/95 que proíbe expressamente
a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso
a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor,
estado civil, situação familiar ou idade (Art. 1º), e, logo no artigo seguinte
elenca práticas discriminatórias e as constitui crime (art. 2º). Importante
também notar que, disciplinando corretamente o que é adequado para o ambiente
de trabalho, contrariou as regras estabelecidas em nosso sistema jurídico,
tipificando uma situação, com pena de detenção e multa para os sujeitos ativos
dos crimes, a pessoa física empregadora, o representante legal do
empregador, como definido na legislação trabalhista e o dirigente de órgãos
públicos e entidades das administrações públicas direta, indireta e fundacional
de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios (Art. 2º, parágrafo único, incisos I, II e III) e não o
fazendo através do Código Penal Brasileiro. Não podemos absolutamente
negligenciar aqui a diferença existente entre assédio e discriminação. O
assédio, presentes as particularidades já mencionadas, tem o objetivo de
humilhar, independentemente das características pessoais da vítima, ao passo
que a discriminação se dá pela retirada ou restrição a um direito, e.g., na
questão social ou ainda em relação às pessoas portadores de necessidades
especiais. Estabelece a lei em comento
(art. 3º), que além da pena de detenção e multa anteriormente citadas, o
responsável pela prática discriminatória ainda sofrerá outras cominações, como
“multa administrativa de dez vezes o valor do maior salário pago pelo
empregador, elevado em cinqüenta por cento em caso de reincidência” (art.
3º, I ). Estabelece, ainda,
propositalmente referida lei, e aqui reside uma semelhança com a Lei 11.948/09
quando adverte a empresa para as práticas que degradam o ambiente de trabalho.
A propósito, o inciso II, do artigo 3º:
“II - proibição de obter
empréstimo ou financiamento junto a instituições financeiras oficiais.” Trata-se, na verdade, de um
caminho seguro já externado pela lei em abril 1995 e que não se apresenta como
algo novo em Junho de 2009, alertando às empresas que praticam atos
discriminatórios a examinarem esta prática e cessá-la imediatamente, pois além
de ser moralmente inadmissível, isso decerto refletirá de modo negativo na sua
própria eficiência econômica. De qualquer modo, este artigo
4º representa a gravidade do rompimento
da relação de trabalho por ato
discriminatório, reconhecendo expressamente o direito à reparação pelo dano
moral, prática incomum do legislador, porém louvável, mas também esta faculdade
atribuída ao empregado quanto a sua readmissão com ressarcimento integral de
todo o período de afastamento ou a percepção, em dobro, da remuneração do
período do afastamento. Trata-se, como se vê, de uma legislação preocupada com
a função social da empresa, indicando para que caminhe com sua participação no
cenário econômico, mas que se tenha presente também a consideração de outros
fatores humanos e morais que, ao longo de sua existência, são inegavelmente
essenciais para a vida da empresa. 7. A outra questão, que tem pertinência,
é a Portaria 3.214/78 -MTb, que possui uma NR que trata especialmente do Call
Center, que são as centrais de atendimento ou telemarketing ( NR
17 anexo II – Aprovado pela Portaria SIT nº 09, d 30 de março de
2007). Inovação importante, que na prática parece não ter repercutido
amplamente. São muitas as mudanças ocorridas nos últimos anos nesta atividade,
em função principalmente do desenvolvimento tecnológico e do mercado de
trabalho. Com efeito, referida norma já
no início (17.1) objetiva a proteção à saúde, ao conforto, segurança e desempenho eficiente.
Posteriormente, tratou referida norma, em seu Anexo II, item 5.13, de vedar a
utilização de métodos que causem assédio moral, medo ou constrangimento.
Importante destacar esta passagem: 5.13. É vedada a utilização de métodos que causem assédio moral, medo
ou constrangimento, tais como: a)
estímulo
abusivo à competição entre trabalhadores ou grupos/equipes de trabalho; b)
exigência
de que os trabalhadores usem, de forma permanente ou temporária, adereços,
acessórios, fantasias e vestimentas com o objetivo de punição, promoção e
propaganda; c)
exposição
pública das avaliações de desempenho dos operadores. Cumpre afirmar que referida
Norma Regulamentadora nº 17 (Ergonomia) abrange todo o território nacional e
possui aplicabilidade obrigatória, embora curiosamente já se ventilou a sua não
obrigatoriedade de cumprimento por não tratar de lei federal, no sentido de
norma aprovada pelo Congresso Nacional. O argumento da inexistência de
legislação específica não pode ser óbice à aplicação de medidas preventivas à
saúde e segurança destes trabalhadores, pois do contrário seria desconsiderar o
vínculo existente nesta relação jurídica, retirando o magno direito fundamental
da personalidade, que, efetivamente encontra limites na noção de abuso de
direito e no princípio geral de boa fé que
norteia toda e qualquer modalidade de contrato no mundo. Ninguém contesta que o
meio ambiente salubre objetiva garantir a saúde física e mental do trabalhador,
vislumbrando assim a eminente dignidade humana através do trabalho. É de salientar, que o
legislador celetiano, em seu artigo 200, incumbiu ao Ministério do Trabalho a
tarefa de estabelecer disposições
complementares às normas de proteção ao trabalho, tendo presente as
particularidades de cada atividade ou setor de trabalho, complementando,
portanto, esta função delegada do legislador nacional. Nesse sentido, referida
Portaria Ministerial 3.214/78, com suas alterações e acréscimos ocorridos ao longo dos anos, em especial a NR 17, para
adaptar-se às características desta nova atividade, fundamentalmente em função
do desenvolvimento tecnológico e do mercado de trabalho, possui status de lei
federal, por força do disposto no artigo 200, da CLT e, portanto, deve ser
aplicada a todos os teletrabalhadores. 8. Percorrendo este caminho, não é
surpresa a busca pelo rigor da responsabilidade penal. Registra-se que o bullying, palavra que significa
violência, posto que encontrado com
larga escala no meio social, no lar , na família e nas escolas, revelando que
não é exclusividade do ambiente de trabalho. Foi assim que a Comissão de juristas nomeada pelo Senado Federal para propor um
anteprojeto de reforma penal decidiu criminalizar a conduta tipificada com o
nome de “intimidação vexatória”. A conduta pode ser punida com prisão de um a
quatro anos de prisão. Assim constou a redação do anteprojeto: “art. 148. Intimidar, constranger, ameaçar, assediar
sexualmente, ofender, castigar, agredir, segregar a criança ou o adolescente,
de forma intencional e reiterada, direta ou indiretamente, por qualquer meio,
valendo-se de pretensa situação de superioridade e causando sofrimento físico ,
psicológico ou dano patrimonial: Pena – prisão de um a quatro anos. Parágrafo
único: somente se procede mediante representação”. Estudos
apontam que adultos com determinados tipos de problemas mentais ou de
comportamento foram vítimas de bullying na infância ou na adolescência,
revelando os malefícios que essa conduta pode causar. A sociedade, por sua vez
sempre presente, tem participado e aprofundado os debates sobre o tema. Trata-se,
portanto, de uma atitude que requer a presença da responsabilidade criminal. Com respeito ao ambiente de
trabalho, o legislador sensível à existência de uma conduta nociva também
sugeriu criminalizá-la, objetivando inibir esta prática indesejável e com isso
interromper o fluxo de humilhação presente no local de trabalho. A propósito,
vale a advertência de Sir Artur Conan Doyle: “Punir o crime é importante,
preveni-lo ainda mais”. O substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.742, de 2001,
constou assim: "Art.
136-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente a imagem ou o
desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação
hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou tratá-lo com rigor
excessivo , colocando em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica. Pena -
detenção de um a dois anos.” Como se vê, a conduta que se
pretende tipificar como crime caracteriza-se pela reiteração de atos vexatórios
e agressivos à imagem e a auto-estima da pessoa. Extremamente importante esta tipificação e
ainda oportuna para impedir a prática desse crime que efetivamente fortalece a
discriminação no trabalho, a manutenção da degradação das relações laborais e a
exclusão social, estudos sobre questões já há muito conhecidas. 9. Do maior interesse é o arbitramento
do valor referente à reparação por dano moral em
ação que se discute o assedio moral decursivo do ambiente de trabalho. O valor
da condenação, em termos adequados, deve servir de alerta ao ofensor, de
maneira a impedir que ele venha a praticar novamente o atentado. Deve ser algo
que refreie seu desejo de continuar prejudicando o interesse de outrem, pois do
contrário, se este valor não atingir sua finalidade social poderá passar uma
idéia de impunidade, tão discutida nos tempos atuais. É sempre fonte de
repetição de novos danos, posto que incentiva ao invés de desestimulá-la. Nessa
perspectiva, o caráter punitivo, indissociável da indenização em espécie, tem
por finalidade evitar que o empregador continue a se omitir em suas obrigações
de proteção, segurança e respeito nas relações de trabalho, sob o manto da
impunidade. Na verdade, o valor deve
guardar rigor com os fatos apresentados e comprovados, na sua medida,
constituindo assim elemento essencial de conservação da ordem social, tal como
a prevenção. Contudo, por outro lado, e também importante, é que o valor da
condenação sirva não somente para compensar o sofrimento daquele que sofreu a
lesão, mas em especial para estabelecer uma forma de respeito ao acervo de bens
morais, tais como: a dignidade, a honra, a honestidade e outros sentimentos
nobres da personalidade do homem. O que não se pode permitir é que o
trabalhador seja lesado no que ele tem de mais precioso: a honra. Não é por
outra razão que o gênio de Shakespeare, em Ricardo II, aclamou: “Minha
honra é minha vida; meu futuro, de ambas depende. Serei homem morto se me
privarem da honra.” Portanto, é um misto de pena e compensação, e
atingida esta finalidade social da norma, alcança seguramente a prevenção. Em
verdade, é preciso evitar estes absurdos
e esta missão também pertence ao Direito do Trabalho. 10. Com freqüência comum, a imprensa e os
grandes meios de comunicação noticiam a existência do assédio moral no local de
trabalho, especialmente com condenações pela Justiça, contribuindo para a
conscientização de toda a sociedade, revelando as conseqüências malévolas desta
lesão para o trabalhador e para este ambiente, e que ao mesmo tempo compromete
a reputação e a imagem das empresas com prejuízos incalculáveis. Isso revela
que é preciso agir no local de trabalho, local de ocorrência do conflito, de
maneira a preveni-lo, ou quando muito diminuir o impacto sobre todas essas preocupações
que se fazem presentes no ambiente. No empenho de promover um
ambiente de trabalho saudável, a empresa deve instituir mecanismos internos de
tutela, com objetivo estratégico de
impedir o fluxo de humilhação no
trabalho. Não se trata de algo novo, mas de aqui reiterar a importância de
procedimentos preventivos que impedem a ocorrência de atos que sejam praticados
contra jus. Nesse cenário é preciso
identificar a figura do Assediador, aquele que geralmente é um chefe e exerce o
poder, persegue seus subordinados, com o objetivo de desestabilizá-los física e
emocionalmente. Identificar esse indivíduo é fundamental para desarmar a
engrenagem que transforma trabalhadores em vítimas e que faz prosperar a
violência no local de trabalho. Em regra, são pessoas de sucesso e por esta
razão até são seguidas por muitos como exemplo para se alcançar este tal
sucesso, mas na verdade, são pessoas que custam caro às empresas, pois diminuem
a capacidade das equipes de inovar, não sabem manter os talentos e ainda podem
levar organizações a pagar valores consideráveis por processos de assédio
moral. São pessoas que costumam destruir os colegas de trabalho, são
intimidadoras, retiram a energia das pessoas, exercitam crueldade com seus subordinados,
tiram motivação e energia de sua equipe, seus comandados ficam doentes,
stressados e deprimidos, e com isso aumentam a taxa de absenteísmo, distração,
dispersão e rotatividade, e isso reflete direto no resultado, pois
desmotivados, os funcionários deixam de ter idéias, de inovar e de ser
criativos. É preciso ter presente que hoje o diferencial competitivo são as
pessoas. Afinal de contas, a quem
interessa a figura do Assediador? Ouso
afirmar que não interessa a ninguém e será extinta! Não há espaço para pessoas
que revelam pouco ou nenhum apreço para com o ser humano. O importante Professor de economia moderna de
Harvard, Thomas Mallone, já afirmou com propriedade que “A unidade fundamental
da nova economia não é a empresa, mas sim o individuo”, de maneira a indicar
que não é somente a questão econômica que assume primazia das ações do
empresário. O ambiente de trabalho, como em sociedade, deve ser o local onde
ninguém seja humilhado, perseguido. Na verdade, precisamos contribuir para a
existência e manutenção de relacionamentos saudáveis no trabalho, pois apontam
influência positiva sobre o clima organizacional. O trabalho é parte
fundamental da vida, pois afinal, todos precisam mesmo trabalhar, e é evidente
que num ambiente de trabalho com esta preocupação e este sentido de prevenção
teremos menos ocorrência de assédio moral. Há pesquisas no Brasil e na
Europa que apresentam uma conta assustadora de problemas relacionados à
depressão, a pensamento autodestrutivo e às tentativas de suicídio entre as
vítimas deste tipo de violência. Para as empresas são incontáveis os vários
efeitos nocivos, desde os afastamentos, os acidentes de trabalho lato-sensu,
alto índice de absenteísmo e turn over
com custo de reposição, perda de equipamentos, queda de produtividade em face
do moral da equipe, talentos reduzidos, custos judiciais elevados e redução do
valor da marca, tudo isso com custo social altíssimo, como a incapacidade
decorrente dos acidentes, aposentadorias precoces e a desestruturação de muitas
famílias. Particularmente importante,
neste momento, é definir os mecanismos de tutela. Primeiro é preciso admitir a
possibilidade de ocorrência de assédio em todos os escalões da empresa. Antes
de tudo, o assédio é uma forma de violência e deve ser identificado,
reconhecido e tratado como um problema que merece atenção no ambiente de trabalho. O passo seguinte, uma vez
reconhecida esta possibilidade, é mostrar disposição em apurar, coibir, punir
os responsáveis sem exceção, criar instrumentos de controle e assumir que não
existem pessoas intocáveis quando se trata de melhorar o comportamento
organizacional e as condições do ambiente. É preciso sinalizar para a
sociedade que esta empresa não tolerará assediadores e que aqui ninguém será
assediado. Para que esta vontade possa produzir efeitos a que se destina, é
necessário dar origem a instrumentos confiáveis e expeditos para a denúncia e
apuração dos fatos, deixando absolutamente claro que todos perdem quando ocorre
o assédio e que é algo devastador na vida de alguém, contamina o ambiente e
afeta, por sua vez, o equilíbrio social. A vontade e a determinação da empresa
na construção de um caminho que iniba este processo silencioso de destruição do
ambiente de trabalho revela que não se pode endossar atitudes que causem
desrespeito e danos ao mais sagrado de todos os direitos, o de ser tratado como
ser humano. Na verdade, o assédio é uma
questão moral, econômica e social. O marketing social também tem sido um ótimo
instrumento das entidades sindicais para combater esta conduta perversa, na
medida que ajudam na conscientização desta prática. Devem sempre defender a
segurança e a saúde dos trabalhadores durante suas negociações coletivas. Economistas apontam que os
custos do assédio moral são bem mais elevados que a prevenção, no Brasil, por
razões culturais, e em regra, não tem sido prioridade patronal o investimento
na prevenção. Há grandes companhias que já possuem normas anti-mobbing, tais como a Volkswagen,
na Alemanha. Esta empresa proibiu, por exemplo, um empregado de espalhar
boatos. Essas regras, presentes desde 1996, possuem boa aceitação, sobretudo no
alto escalão da empresa, uma vez que a queda de 1% no absenteísmo significou
uma poupança de 50 milhões de dólares por ano, procedimento este que vem sendo
aplicado com sucesso. Creio que o caminho de criar um
código de conduta, com programas que combatam o assédio moral é de fundamental
importância. Empresas que se preocupam com estas questões tem boa imagem e
revelam preocupação com seus colaboradores e com a sociedade, o que chamamos de
Responsabilidade Comportamental. Estou convencido que a boa empresa não é
somente aquela onde o assédio necessariamente não ocorra, mas também aquela
que, quando ele ocorrer, sabe enfrentá-lo com coragem e determinação. Afirmo
isso, pois a omissão é danosa para todos, pois dificulta e até impossibilita as
ações preventivas que poderiam coibir a proliferação do problema. A idéia é de
que as empresas atinjam sim seus fins econômicos, mas que a preocupação
fundamental seja a busca de um ambiente de trabalho saudável, onde as pessoas
não são apenas meio, mas sim a finalidade para se alcançar os objetivos. O trabalhador precisa de proteção
diante de humilhações e perseguições advindas dos Assediadores. As empresas
também precisam de proteção e por isso devem incluir em suas prioridades a
concreta preocupação com o meio ambiente de trabalho, com o efetivo combate ao
assédio moral, com programas de responsabilidade social e ambiental, prevenindo
danos de atos cujas consequências já são conhecidas e com isso sua própria
sustentabilidade. A sociedade da mesma forma necessita desta proteção, pois o
prejuízo imposto ao trabalhador e ao ambiente laboral causa dano à ordem
social. 11. Concluindo, para encerrar este
trabalho, que pretendeu apenas traçar breves considerações a respeito dos
caminhos preventivos no ambiente de trabalho frente ao assédio moral, desde a
experiência internacional, o alerta do legislador brasileiro e sua preocupação
com a questão social, a criminalização da conduta, passando ainda pela
importância do valor arbitrado em condenação judicial, e em especial a criação
de mecanismo de tutela no âmbito empresarial capaz de assegurar a preocupação
com o próprio homem no local de trabalho e garantir a eficácia dos esforços
necessários para evitar a violência em suas dependências. Por outro lado ainda,
as instituições comprometidas com o
Direito do Trabalho têm o dever de mobilizar toda a sociedade e conduzir
o tema a uma discussão ampla, apresentando estratégias preventivas e imediatas
e que sejam traçadas e executadas com o claro propósito de enfrentar a
situação. O respeito ao ser humano é um dos traços mais admiráveis em nosso
convívio, e pregamos incessantemente este caminho que é a consagração de uma
causa comum, o aperfeiçoamento da vida humana. Quanto tem sofrido o progresso
humano por causa de pessoas que, por seus preconceitos ou interesses adquiridos
por falta de valor moral, têm resistido a acomodar as idéias à realidade do
momento que vivemos e a evolução do homem! Penso, pois, que a luta pelo
aperfeiçoamento do indivíduo no mundo do
trabalho não será em vã, se houver identificação completa com o bem. O sentido
muitas vezes mecânico que se atribui às coisas, desprezando o indivíduo com
suas características, seus problemas, não contribuiu para o aperfeiçoamento
pretendido e, seguramente, não é um sentido próprio representativo de nossa
época. É preciso ter presente todos estes componentes humanos no atual estágio
construtivo das relações de trabalho. Não posso crer, por um momento, sob pena
de se abalarem os próprios alicerces da razão, que o ambiente de trabalho não
seja fundamentalmente bom e não siga através de sua história, uma alta
finalidade do bem. |
[1]. - * Valdir Florindo – Desembargador do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo-2ª. Região e membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho; [2] . - Paulo Peli & Paulo Teixeira, Assédio Moral uma Responsabilidade Corporativa, Ícone Editora, pág. 18; [3]. - HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-estar no trabalho: redefinindo o assédio moral. Tradução Rejane Janowitzer. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002, p. 17; [4]. - Bobbio, Norberto. “A era dos direitos”, p. 25; |